O complexo fundamento para se determinar haver ou não relação trabalhista entre ‘pejotizados’ e empresas contratantes.
Ao “apagar das luzes” de 2018, turma de Câmara da Segunda Seção do CARF promoveu ao exame e julgamento de tema bastante tormentoso, qual seja: a contratação de “empresas para prestar serviços relacionados à sua atividade-fim”, sendo estas eram unipessoais com a prestação de serviços realizados pelos próprios sócios, o que no jargão empresarial é denominado como “pejotização”.
Mais ainda, referidas empresas teriam emitido notas fiscais sequenciais e não realizado a “formalização dos contratos de prestação de serviços entre o autuado” com os sócios das empresas unipessoais contratadas.
De tal forma, a fiscalização concluiu restar caracterizado “natureza de relação de emprego entre os sócios das empresas” unipessoais e o autuado, promovendo o lançamento para a exigência das contribuições sociais previdenciárias e seus consectárias, isto, repisamos, em razão da “desconsideração, pela Fiscalização, da contratação realizada (…) da prestação de serviços médicos por meio de pessoa jurídicas, a chamada pejotização.”
Em sua defesa o autuado sustentou que (i) a limitação da autuação fundada no artigo 116 do CTN é ilegal; (ii) a não comprovação da ocorrência de atos ilícitos: (iii) as empresas unipessoais foram legitimamente constituídas; (iv) a desconsideração da modalidade de prestação de serviços levada a efeito com fundamento na CLT e seus reflexos tributários foi realizada de modo arbitrário; e, (v) não há vínculo empregatício entre o autuado e as empresas unipessoais prestadoras de serviços.
Contra a decisão da Delegacia Regional de Julgamento o autuado interpôs recurso voluntário ao CARF “reiterando os argumentos defensivos aduzidos na impugnação apresentada.”
O colegiado então debruçou-se sobre o tema, promovendo seu exame com apoio nos ensinamentos teóricos sobre a matéria, anteriormente enfrentados por turma julgadora distinta da CARF, com especial dedicação à promoção de distinção entre as “relações de trabalho”, com ênfase naquela denominada “subordinação estrutural”.
Passo seguinte, tratou de modo separado da ““contratação de prestação de serviços em atividade fim” e na “caracterização do vínculo empregatício””, sendo que para o primeiro tópico focou na especialidade dos serviços prestados, para, em apertada síntese, concluir que aqueles prestadores das sociedades unipessoais são “profissionais da medicina com alto grau de especialização executam tarefas que são singulares às suas habilidades pessoais e, por esse motivo, não podem ser enquadrados como pertencentes a atividade-fim de nenhuma empresa”.
Aliás, ainda em fundamentação, trouxe para reforço de seus argumentos recente julgamento do Supremo Tribunal Federal que considerou constitucional a “terceirização de serviços tanto na atividade-meio quanto na atividade-fim das empresas.” (ADPF nº 324).
E quanto a caracterização da suposta relação empregatícia verificada entre autuado e os sócios das empresas unipessoais prestadores de serviços, afirmou-se a necessidade de a fiscalização não promover a confusão entre “a relação entre o médico e o seu paciente com a relação entre a empresa prestadora de serviços e (…)” o autuado; o que, consequentemente, afastaria qualquer intenção de se caracterizar haver pessoalidade na relação empresarial analisada.
Quanto a suposta relação de subordinação, a corrente vencida tratou do tema sob a ótica de não haver no caso concreto uma “subordinação estrutural”, ou seja, aquela consistente na “inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber suas ordens diretas, mas bastando que acolha seu processo de organização e funcionamento.”; pois os profissionais, sócios de empresas unipessoais, não estariam inseridos na dinâmica dos negócios do autuado.
Por fim, a relatoria vencida trouxe jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, observamos, transitada em julgada, lavrada em processo trabalhista de interesse do autuado, cuja decisão última foi pela conclusão de não haver relação empregatícia entre os sócios de empresas unipessoais prestadores de serviços para o autuado.
Não obstante a argumentação apresentada, prevaleceu voto vencedor no sentido de que estava caracterizado nos autos do processo administrativo uma relação de emprego artificialmente blindada pela prática da “pejotização” (acórdão nº 2402006.776); sendo que, dessa forma, em face da presença dos elementos de pessoalidade e subordinação caracterizadores de uma relação empregatícia, concluíram, à qualidade, por dar parcial provimento ao recurso interposto tão somente para o afastamento da multa qualificada imputada, com sua redação para o patamar de 75% (setenta e cinco por cento), mantendo-se a exigência das contribuições sociais previdenciárias.
Conforme alinhavado na apresentação deste artigo, a matéria é por demais tormentosa e complexa, em especial pela recente ocorrência de alterações à legislação trabalhista e para as relações com empregados “pejotizados”, o quê, cremos, determinará ao CARF um extremo cuidado no exame da matéria e para a especificidade fática de cada caso que passar a enfrentar.
(*) Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é Advogado em Brasília.
(Fonte: JOTA)