BARROSO ENTENDE QUE FISCO PODE RECORRER À JUSTIÇA SE PERDER POR DESEMPATE NO CARF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso surpreendeu os advogados, nesta manhã, ao se posicionar sobre a mudança legislativa que colocou fim ao voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — medida que antes determinava o desempate pelo presidente da turma julgadora, sempre um representante do Fisco.
A nova lei passou a estabelecer que a decisão será favorável ao contribuinte quando houver empate. Barroso abriu o julgamento, no Plenário Virtual, declarando esta norma constitucional, mas afirma que, nesses casos, a Fazenda Pública poderá recorrer à Justiça.

Se essa proposta for aprovada pelos demais ministros da Corte, muda as regras atuais. Quando a Fazenda perde um processo na esfera administrativa, a discussão se encerra ali, não há possibilidade de recurso ao Judiciário. A lógica é de que não poderia a administração pública recorrer do seu próprio ato.
Advogados sempre reclamaram que, apesar de o órgão ser paritário — composto por conselheiros representantes de contribuintes e por auditores fiscais —, pela fórmula antiga, a tendência era a de que o contribuinte ficasse vencido.
A mudança ocorreu com a Lei nº 13.988, publicada em abril de 2020. O texto foi incluído na Lei nº 10.522, de 2002, por meio do artigo 19-E.
Essa alteração, portanto, é que está sendo analisada pelo STF. Os ministros julgam o tema por meio de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 6.399, 6.403 e 6.415) propostas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip).
Votos
O julgamento começou no mês de abril. Naquela ocasião, somente o relator, ministro Marco Aurélio, proferiu voto, declarando a alteração legislativa inconstitucional. Para ele, a matéria não poderia ter sido tratada em uma lei sem relação com o tema — prática conhecida como “jabuti”.

Marco Aurélio disse, no seu voto, que a Medida Provisória (MP), nº 899, editada pelo Executivo — que deu origem à Lei 13.988 — tratava sobre transação tributária e, durante o processo de conversão em lei, os parlamentares incluíram no texto uma matéria sem afinidade com o conteúdo.
O ministro Barroso apresentou pedido de vista naquela ocasião, suspendendo as discussões. Trouxe o voto nesta manhã, divergindo do relator.

Barroso diz, no seu voto, que a sistemática de desempate que havia no Carf, antes da nova lei, “aparentemente, desequilibrava a relação entre o Fisco e o contribuinte no processo administrativo tributário” e que, diante desse quadro, o legislador optou por fazer a alteração.
“Tal opção legislativa não é incompatível com a Constituição. Não há, no texto constitucional, a previsão de um método específico de solução de impasses em órgãos de contencioso administrativo. O legislador atuou dentro de legítima margem de discricionariedade”, afirma.
Diante da substituição do voto de qualidade pelo critério de resolução em favor do contribuinte, no entanto, abre-se espaço, segundo o entendimento do ministro Barroso, para a União contestar tal decisão na Justiça.
“Isso porque, nessa hipótese, o resultado favorável ao sujeito passivo decorre de mera ficção legal, e não de maioria de votos acolhendo a sua tese, o que evidencia o interesse de agir da Fazenda Nacional. Medida necessária para resguardar o equilíbrio das relações entre o Fisco e o contribuinte”, frisa.
Essa possibilidade havia sido aventada por auditores fiscais na época em que houve a alteração legislativa. Existe a compreensão de que a Fazenda Nacional só perde no Carf quando um de seus representantes vota a favor do contribuinte. Se o contribuinte, pela nova sistemática de desempate, vence sem que nenhum representante do Fisco concorde, confere-se, então, legitimidade para recorrer ao Judiciário.

Esse julgamento está previsto para se encerrar na próxima sexta-feira, dia 25. Faltam ainda os votos de outros nove ministros e qualquer um deles pode apresentar pedido de vista, o que suspenderia novamente as discussões, ou pedido de destaque, que deslocaria o caso para julgamento presencial.

Análise
Há muitas dúvidas, entre os advogados, no entanto, sobre como isso ocorreria, na prática, se o entendimento do ministro Barroso prevalecer. “Seria por meio de execução fiscal? Isso não consta em lugar nenhum. Está dito que a Fazenda vai poder recorrer, mas e para o contribuinte se defender? Ele terá que apresentar garantia aos valores cobrados e que foram considerados nulos no Carf?”, observa Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.
Conde diz que haverá, certamente, com esse entendimento, um aumento na litigância fiscal. “Sempre que houver voto e qualidade favorável ao contribuinte, a Fazenda vai recorrer. Vai virar uma obrigatoriedade”, diz o tributarista. “E nós já temos números assustadores de litigiosidade. Os custos serão mais altos para o contribuinte e também para a União, que vai movimentar a máquina pública e, em caso de derrota, pagar sucumbência”, acrescenta.

Fonte: Valor Econômico

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