O seguro-desemprego não tem sido concedido a pessoas que têm algum tipo de CNPJ aberto, seja registro como Microempreendedor Individual (MEI), sócio minoritário de empresa ou qualquer outro. Como o benefício é destinado a trabalhadores com carteira assinada demitidos sem justa causa que não tenham outra forma de renda, formal ou informal, o sistema entende que o registro na Receita Federal é sinônimo de faturamento. A partir disso, o pedido é indeferido. Somente em 2019, segundo o Ministério da Economia, 5.363 solicitações de seguro-desemprego foram negadas porque o solicitante tinha um CNPJ ativo. Em 2018, o número foi ainda maior: 6.676 recursos negados.
No caso do MEI, o Portal do Empreendedor informa que o microempreendedor tem direito ao seguro-desemprego “desde que não tenha renda mensal igual ou superior a um salário mínimo (R$ 1.039, em janeiro de 2020, e R$ 1.045, a partir de fevereiro) no período de pagamento do benefício”. Mas, na prática, não é o que acontece. Segundo advogados, o sistema nega o benefício, independentemente da renda.
O advogado Daniel Alves, do escritório Denise Rocha, explica que é possível reverter o cenário, comprovando que a empresa associada ao nome do desempregado não proporciona rendimentos suficientes. O primeiro caminho é tentar resolver de forma administrativa, emitindo junto à Receita Federal um documento que mostre o faturamento nulo ou irrisório da empresa no ano anterior. Se o pedido for negado, o trabalhador precisará entrar com um mandado judicial, a ser distribuído na Justiça Federal, com base em provas como histórico de faturamento e contrato social:
— Recentemente, consegui que o seguro-desemprego fosse autorizado a uma trabalhadora que detinha 1% de uma empresa, provando que ela havia recebido apenas mil reais de lucro em um ano.
O advogado Carlos Ely Eluf diz que o governo começou a barrar a concessão do seguro-desemprego baseado em registros de pessoas jurídicas quando foi preciso apertar as contas. Mas ele avalia que a interpretação é genérica e, muitas vezes, fere o direito do trabalhador:
— Por conta da crise, muita gente começou a trabalhar por conta própria, entregando lanches de bicicleta, sendo motorista de aplicativo, vendendo coisas nas ruas. Muitos abriram CNPJs, mas isso não quer dizer que são empreendedores. É questão de sobrevivência, e o governo não pode privar essas pessoas do seguro-desemprego.
Dados da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, com base em empresas optantes pelo Simples Nacional (regime de tributação unificado), mostram que o total de MEIs subiu de 5.680.614 para 9.430.438, de 2015 para 2019 — um aumento de 66%
Veja as regras
Assistência…
É um benefício integrante da Seguridade Social que tem por objetivo, além de prover a assistência financeira temporária ao trabalhador desligado sem justa causa, auxiliá-lo na manutenção e na busca por um emprego.
Não é permitido…
No período que estiver com seguro-desemprego, o trabalhador não pode ter outra remuneração oriunda de vínculo empregatício formal ou informal.
Para requerer…
O trabalhador dispensado sem justa causa recebe do empregador o Requerimento do Seguro-Desemprego devidamente preenchido. Duas vias desse formulário devem ser levadas a um posto de atendimento, junto com outros documentos, como a carteira de trabalho e os três últimos contracheques. É possível requerer o benefício pelo portal Emprega Brasil (empregabrasil.mte.gov.br) ou agendar o atendimento pelo Sistema de Atendimento Agendado (http://saaweb.mte.gov.br/inter/saa/pages/agendamento/main.seam).
Número de parcelas …
Varia conforme o tempo trabalhado com vínculo formal e segundo o número de vezes em que a solicitação já foi feita.
Primeira solicitação
Se a pessoa tinha de 12 a 23 meses comprovados de vínculo empregatício no período de referência, ela receberá quatro parcelas. Se o trabalhador comprovar 24 meses ou mais, receberá cinco prestações.
Segunda solicitação
Se o empregado tinha entre nove e 11 meses de vínculo formal no período de referência, terá direito a três parcelas. Se comprovar de 12 a 23 meses de contrato, ganhará quatro prestações. Caso tenha somado 24 meses ou mais de emprego, fará jus a cinco parcelas.
Terceira solicitação
Três parcelas serão devidas ao trabalhador que teve de seis a 11 meses de vínculo empregatício no período de referência. No caso de 12 a 23 meses comprovados de registro formal, o pagamento será de quatro prestações. Cinco parcelas serão pagas a quem tiver a partir de 24 meses.
‘Nem todo mundo corre atrás de seus direitos’
Apesar de existir, desde 2015, um projeto de lei que tenta inverter a lógica do governo — de que qualquer CNPJ é comprovação de renda —, isso não significa nada na prática. O sistema continua indeferindo o seguro-desemprego, independentemente do tipo de empresa à qual a pessoa esteja vinculada, segundo a advogada Camila Rosadas.
— Há como reverter isso de forma administrativa e, em alguns casos, judicial. No entanto, nem todo mundo corre atrás de seus direitos. Vemos, com o fenômeno chamado ‘pejotização”, mais e mais pessoas abrindo CNPJs para trabalhar como empregados. Isso tem sido uma boa forma de redução dos gastos públicos, às custas da dignidade do trabalhador, no momento que ele mais precisa do Estado.
Prejuízo para a Previdência
O incentivo à prestação de serviços como pessoa jurídica, por meio do afrouxamento das leis trabalhistas e da facilitação da abertura de micro e pequenas empresas, em detrimento de contratações celetistas (contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho), não é um bom negócio para a Previdência Social, segundo a advogada Camila Rosadas, já que a contribuição para o INSS como MEI, por exemplo, é de apenas de 5% do valor do salário mínimo nacional (R$ 51,95, referente a janeiro, e R$ 52,25, a partir de fevereiro de 2020).
— Ainda que a gente saiba que qualquer benefício de MEI seja equivalente a um salário mínimo, essas pessoas têm acesso a benefícios como aposentadoria por invalidez e auxílio-doença. A contribuição é mínima, e o gasto do governo maior. Vamos começar a sentir o reflexo entre três e cinco anos — opinou ela.
A analista em Recursos Humanos Carla Dias, de 26 anos, é uma das pessoas contratadas sem carteira assinada. Ela se mudou do Sul para São Paulo e começou a trabalhar numa empresa como sócia minoritária. Para ela, a vantagem é ter um salário maior do que se tivesse uma vaga formal:
— Não tenho nem 1% da empresa. Mas, assim, o contratante paga menos impostos, e eu pago bem menos para o INSS. Agora, que tenho mais despesas por morar numa metrópole, acho positivo ter um salário líquido maior.
Camila Rosadas ainda avalia que o contrato por CNPJ pode ser um risco para a empresa: se, após a saída do trabalhador, ele entrar com um processo judicial pedindo o reconhecimento de vínculo com a companhia — com base em argumentos de subordinação, por meio de provas, como ter horário para entrar e sair e falta de autonomia para tomar decisões —, é bem provável que ganhe a ação.
No fim de 2019, a Justiça do Trabalho de São Paulo determinou que a empresa de entregas Loggi reconhecesse o vínculo dos motoboys que lhes prestavam serviços. Com isso, seria obrigada a implantar descanso semanal de 24 horas consecutivas e registro em sistema eletrônico de todos os que tiveram atividade nos dois meses anteriores. A empresa recorreu e, dias depois, conseguiu suspender a decisão por liminar, até o julgamento da questão.
(Fonte: Extra)