Com o advento da Lei Complementar 157/2016, surgiram desdobramentos práticos atinentes ao local de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) no que diz respeito aos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito, com previsão legal no subitem 15.01 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.
Tal questão está relacionada ao fato de a LC 116/2003 dispor que, em regra, a incidência do ISS é concretizada no local do estabelecimento prestador ou, subsidiariamente, no local do domicílio do prestador. Contudo, tratando-se os serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito de uma exceção, cabe aqui uma reflexão acerca das consequências legais e práticas provenientes da LC 157/2016, a qual modificou o local de incidência do tributo, passando a incidir, nestes casos, no local do domicílio do tomador do serviço.
Conforme sabido, o ISS representa a principal fonte de arrecadação tributária dos entes municipais. Justamente por isso a Constituição Federal de 1988 delegou à lei complementar estabelecer as normas gerais relativas a este tributo, limitando, pois, a autonomia dos municípios, com a finalidade de fomentar o modelo federativo cooperativo constitucionalmente desenhado, permitindo uma arrecadação equânime com base no imposto em questão.
Neste sentido, a LC 116/2003 estabelece alíquotas mínimas e máximas com a finalidade de evitar o fenômeno que se tem denominado de guerra fiscal, no âmbito dos municípios que, na tentativa de aumentarem suas receitas tributárias, buscam a captação de empresas prestadoras de serviços, isto é, operadoras do fato gerador do ISS, as quais, consequentemente, recolhem o tributo aos cofres públicos.
No que diz respeito às operações de administração de cartão de crédito, a relevância deste serviço ganha importância no cenário nacional, em decorrência do crescente desuso do papel moeda nas transações comerciais. Atento a este fato, o legislador tratou de modificar a LC 116/2003 a partir das alterações advindas da LC 157/2016, com foco no local de incidência do ISS nas operações de serviços prestadas pelas administradoras de cartão de crédito. Percebe-se que as respectivas transações comerciais implicam na arrecadação do tributo no local do domicílio do tomador do serviço, disseminando, assim, a arrecadação de receita pelos mais diversos municípios brasileiros.
Desta forma, revela-se evidente que o recolhimento e a arrecadação do ISS passam a sofrer mutações significativas, já que os grandes centros comerciais do país, nos quais geralmente estão estabelecidas as prestadoras do serviço em tela, deixam de receber a massiva receita oriunda deste tributo, sendo melhor distribuído o montante despendido correspondente a título do imposto em questão por todas as cidades em que se concretizar o fato gerador tributário, trazendo um maior equilíbrio entre os sujeitos ativos da respectiva obrigação tributária.
No entanto, apesar de parecer bastante justa esta alteração, visto que o imposto passará a incidir no local do domicílio do tomador do serviço, em contrapartida, as administradoras, enquadradas na condição de sujeito passivo da relação jurídico-tributária, passarão a correr o risco de ter que recolher o ISS em todos os municípios brasileiros, ou seja, em 5.570, conforme aponta o estudo do IBGE[1], cada um com a sua legislação específica.
Tal situação acarreta transtornos no que diz respeito ao cumprimento da obrigação tributária, dificultando o recolhimento do ISS pelo sujeito passivo, bem como a arrecadação do respectivo montante pelo sujeito ativo. Prova disso é que está em tramitação no STF a ADI 5.835, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, em que se discute a questão relativa ao local de incidência do ISS nas prestações de serviço de administração de cartão de crédito, a partir das modificações legais ocorridas. Não há ainda decisão definitiva, mas já se tem conhecimento de que foi concedida a medida cautelar pleiteada pela parte demandante, em março de 2018, suspendendo os efeitos da aplicação da LC 157/2016 no que diz respeito à alteração do local de incidência do ISS para estes casos.
Sabe-se, também, que o serviço de administração de cartão de crédito está em grande ascensão em decorrência do crescente desuso de dinheiro em espécie; isto se dá tanto pela questão de segurança quanto pela própria facilidade na transação comercial. Nesse sentido, Ramos define a funcionalidade das operações de cartão de crédito:
[…] Chama-se cartão de crédito, então, o documento por meio do qual o cliente realiza a compra, apresentando-o ao estabelecimento comercial cadastrado. Do que foi exposto, pode-se então distinguir três relações jurídicas distintas numa operação com o cartão de crédito: (i) a da operadora com o seu cliente; (ii) a do cliente com o estabelecimento comercial; (iii) a do estabelecimento comercial com a operadora[2].
Assim, torna-se viável afirmar que há uma pluralidade de relações jurídicas segregadas compondo a operação de administração de cartão de crédito. Além disso, resta evidente que a prestadora do serviço é de fato a administradora do cartão de crédito, apesar de haver na operação em tela uma relação jurídica da qual ela não está diretamente inserida, entre o titular do cartão de crédito e o estabelecimento comercial, no momento em que ocorre determinada compra e venda. Isso ocorre pelo fato de o comerciante não administrar a referida operação, mas apenas disponibilizar o serviço ou o produto que está sendo adquirido pelo titular do cartão, vindo a receber o valor devido diretamente a partir da administradora.
Constata-se que a administradora de cartão de crédito pode prestar serviços tanto para o sujeito titular do cartão, garantindo o crédito previamente compactuado entre as partes a fim de que este possa fazer determinadas aquisições comerciais, quanto para os estabelecimentos previamente cadastrados perante a operadora, os quais também poderão ser considerados como tomadores do serviço, já que o comerciante terá a garantia do recebimento do pagamento que será realizado diretamente pela administradora, cujo compromisso tenha sido celebrado mediante contrato firmado entre as partes.
Neste contexto, considerando a diversidade das relações jurídicas subjacentes à atividade de administração de cartão de crédito e, tendo em vista que não há uma limitação expressa na lei quanto à definição do sujeito do tomador do serviço em pauta, imperiosa se faz a análise da disposição legal contida na LC 116/03, com as recentes alterações promovidas pela LC 157/2016, a fim de que se possa interpretar a intenção do legislador, buscando, assim, a definição de quem é de fato o tomador, se o titular do cartão ou o estabelecimento comercial. Vejamos:
Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
[…]
§ 4º No caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, descritos no subitem 15.01, os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)[3].
Considerando a parte final do parágrafo 4º, do artigo 6º supramencionado, tem-se que “[…] os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço”[4], exigência essa que nos leva a concluir ser o estabelecimento comercial o tomador do serviço em questão, para fins de incidência do ISS descrito no subitem 15.01 da lista de serviços anexa à LC 116/2003.
Tal desfecho se dá pelo fato de que não seria razoável que as administradoras recolhessem o ISS em todos os locais em que domiciliam os titulares dos cartões que por elas são administrados. Observe-se que o texto legal dispõe que os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço; assim, parece evidente que não haveria como tais aparelhos eletrônicos serem registrados nos domicílios de cada titular de cada cartão de crédito, restando como única hipótese lógica que o dispositivo legal trata os estabelecimentos comerciais como tomadores do serviço.
Inclusive, para corroborar esse entendimento, Mangieri[5] afirma que a comissão, a qual é cobrada dos lojistas e prestadores de serviços credenciados por usufruírem do serviço de administração de cartão de crédito, dá ensejo à tributação do ISS pela incidência do subitem 15.01 da lista de serviços anexa à LC 116/03[6]; em contrapartida, a incidência do ISS em relação às anuidades pagas pelos titulares dos cartões para a administradora se dá em conformidade ao disposto no subitem 15.14 da lista de serviços anexa à LC 116/03[7]. Sendo assim, parecem encerradas quaisquer dúvidas que ainda se possam ter acerca do tomador do serviço para fins de incidência deste imposto com base na disposição contida no já mencionado subitem 15.01 da lista de serviços anexa a este diploma legal.
Destarte, a exação em questão agora passa a ocorrer na sede do estabelecimento comercial, local em que serão operadas as vendas de bens ou serviços mediante as máquinas das operações, as quais deverão estar registradas no local do seu respectivo domicílio, conforme a disposição contida no parágrafo 4º do artigo 6º da já mencionada LC 116/2003, redação a qual foi incluída pela também já referida LC 157/2016. Consequentemente, as administradoras de cartão de crédito passarão a efetuar o recolhimento do ISS em todos os municípios brasileiros em que se tenham estabelecimentos comerciais, portanto, enquadrados na condição de tomador do serviço, os quais deverão ser credenciados previamente aos respectivos prestadores para, a partir das máquinas eletrônicas, venderem bens ou serviços aos titulares dos cartões de crédito.
Como visto, parece correto afirmar que o montante pago pelas administradoras de cartão de crédito a título de ISS e, por conseguinte, auferido pelos municípios, restará descentralizado, isto é, deixará de ser pago no local do seu estabelecimento ou, subsidiariamente, no local do seu domicílio, passando a surgir uma disseminação justa desta receita por todos os municípios em que tiverem situados os tomadores deste serviço, quais sejam, os estabelecimentos comerciais credenciados às administradoras.
Todavia, apesar de bastante adequada esta designação legal, a qual possibilita a pulverização da receita despendida pelas administradoras aos mais diversos municípios brasileiros, estas, em contrapartida, sofrerão por estarem enquadradas na condição de contribuinte do imposto, enormes empecilhos para cumprirem com os seus respectivos deveres legais de recolhimento do tributo devido, visto que o pagamento que antes era prestado em um único local, passará a ser devido em locais completamente diversos.
Tal cenário implica numa maior dificuldade para o já dito cumprimento do dever legal de recolher tributo pela prestadora do serviço, bem como, possivelmente, haverá um significativo aumento no custo desta prestação, em face da adversidade que será encontrada pelos contribuintes para o pagamento do imposto, na medida em que o ISS, por ser um imposto de competência municipal, envolve inúmeras legislações municipais próprias de cada ente municipal, os quais regulamentam suas disposições legais de acordo com os seus próprios interesses.
Dessa forma, caberá aos contribuintes (administradoras de cartão de crédito) aguardar um posicionamento da suprema corte no processo mencionado acima — ADI 5.835 —, bem como observar todas as mais diversas legislações municipais dos locais em que forem devido o respectivo ISS, sob pena de sofrerem as sanções cabíveis em razão do descumprimento do respectivo dever legal de pagar tributo. Assim, não restam dúvidas de que haverá uma maior complexidade para o cumprimento desta obrigação tributária, tanto para o recolhimento do tributo devido pelo sujeito passivo quanto para a própria arrecadação do respectivo montante pelo sujeito ativo da relação jurídica-tributária.
(Fonte: Revista Consultor Jurídico)