Cada vez mais o mercado é invadido por soluções tecnológicas inovadoras que visam à melhoria e automação de processos até então dependentes de intervenção humana para melhorar a organização da informação e a qualidade da decisão.
Sem dúvida, isso é transformador e nós não podemos ser inocentes ao ponto de combater ou restringir avanços tecnológicos que proporcionam valor agregado, mobilidade, independência e que fortalecem a relevância técnica, científica e intelectual de uma profissão, como é a profissão contábil regulamentada em nosso país.
Porém, cada vez mais abordagens que visam à mercantilização de serviços e, o pior, que anunciam serviços genéricos como se fossem serviços contábeis, invadem as redes sociais e canais de comunicação desqualificando toda concorrência saudável e tradicional, além de colocar em risco a qualidade dos serviços para toda sociedade. Esse chavão de que no mundo das startups se pede perdão, mas não se pede permissão, é lamentável. É preciso ser responsável e, acima de tudo, respeitoso.
No Brasil, temos o privilégio de ter assegurado em nossa Carta Magna a livre concorrência, mas, por incrível que pareça, pessoas e empresas interessadas em lucrar, a qualquer custo, com recursos de investidores sem qualquer compromisso com a sociedade ou economia local, extrapolam a liberdade de expressão ao promoverem uma concorrência desleal, incentivando a prática predatória de preços, ao financiarem campanhas publicitárias que afrontam inclusive a ordem tributária ao oferecer propaganda irresponsável de pejotização através de abertura de empresa gratuita.
Infelizmente, não se trata de obra de ficção, um personagem de filme onde se pode dizer que qualquer semelhança é mera coincidência. As campanhas têm autoria, assinatura e seus criadores são profissionais de comunicação ávidos por lucro a qualquer custo, para terem um case de sucesso em busca de prêmios para promoção pessoal.
A que ponto chegamos? Quando o que mais precisamos é de estímulo ao empreendedorismo, empregabilidade e orientação à sociedade quanto à importância da contabilidade para sobrevivência das empresas vimos estratégias mercadológicas na contramão de tudo isso, colocando em risco patrimônio de pessoas inocentes que sonham ter uma empresa e usam suas economias sem ter a menor ideia dos riscos e obrigações que assumirão pra vida toda.
No Brasil, mais de 60% das empresas fecham antes de completar cinco anos. Essa pesquisa, feita pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, mostra que a burocracia e o emaranhado de regras tributárias em que se embolam as empresas e onde os profissionais da contabilidade, que lidam com essa burocracia tributária, são obrigados a seguir 3.790 normas. Isso equivale a 5,9 quilômetros de folhas impressas, segundo pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Abrir empresa não é prerrogativa exclusiva do serviço contábil regulamentado, mas de certo o profissional da contabilidade está muito bem preparado para analisar, orientar e planejar o plano de negócios da melhor forma. Além disso, abrir empresa não é como comprar um produto em liquidação. Pejotização é crime contra a ordem tributária.
As inúmeras ações milionárias que empresas globais de tecnologia respondem pelo comércio predatório são a prova de que nem tudo que é feito em nome da inovação tem propósito social, de distribuição de renda e de concorrência leal.
Automação, integração, padronização, inteligência artificial e robôs de fato ajudam no trabalho, mas nenhum deles assume responsabilidade profissional, civil ou criminal.
A regulamentação de uma profissão protege a sociedade e, nesse sentido, o Sistema CFC/CRCs tem sido diligente ao tomar todas as medidas administrativas cabíveis à luz de uma legislação estabelecida em 1946 e que teve uma atualização importante do Código de Ética agora em 2019.
A essência do Código de Ética é mostrar a visão, missão e valores da sociedade ou de um grupo de pessoas. É a declaração formal de suas expectativas que serve para orientar as ações das pessoas e explicitar a postura destas diante dos diferentes públicos com as quais interage.
A Contabilidade é uma profissão regulamentada que tem seu exercício atrelado aos preceitos éticos estabelecidos no Código de Ética. Desta forma, ela atua como fator de proteção da sociedade. O exercício ilegal da Contabilidade, por sua vez, não segue estes princípios e, por isto, não pode ser vendido como “serviços contábeis”.
A conduta ética é muito necessária para que se atribuam valores às situações, com o fito de que a máquina continue a servir o homem (inclusive como disciplinam as Três Leis da Robótica) e nunca o contrário!
Uma sociedade organizada precisa de profissionais qualificados, registrados e devidamente regulamentados. Ainda temos muito a conquistar em termos de melhoria e autonomia no ambiente de negócios e, quanto mais inseguro for esse ambiente, mais proteção a sociedade precisará.
Automação, inteligência artificial e plataformas são sempre bem-vindas, mas acompanhadas de proteção, de segurança quanto à conformidade e responsabilidade técnica explícita e quanto à qualidade da informação. O barato sempre sai muito mais caro! Evite armadilhas!
Seu nome é seu maior patrimônio e o profissional da contabilidade devidamente registrado no CRC é o único ser humano que tem a prerrogativa legal para prestar serviços contábeis de verdade.
Marcia Ruiz Alcazar
Presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo
(Fonte: CRC/SP)