Danos extrapatrimoniais no Direito do Trabalho e sua reparação.

1 – Introdução

Para além de profundas alterações em diversos direitos laborais conquistados após décadas de amadurecimento do Direito do Trabalho no Brasil, a Lei nº 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe também mudanças no tocante àreparação de danos (muitos deles advindos da frustração desses direitos).

Trata-se da novidade inserida nos artigos 223-A e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre o dano extrapatrimonial e sua reparação. A Lei nº13.467/2017 inaugurou título próprio na CLT para disciplinar o assunto, criando uma série de parâmetros para identificação do dano extrapatrimonial, bem como para sua reparação pecuniária.

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo compreender como se dá o dano extrapatrimonial no Direito do Trabalho e sua reparação, analisando, especialmente, a disciplina trazida pela Reforma Trabalhista. Para tanto, a partir de pesquisa bibliográfica, serão analisados a configuração dos danos extrapatrimoniais no Direito do Trabalho brasileiro, como se dá a reparação desses danos e as novidades trazidas pela Reforma Trabalhista.

Por fim, são apresentadas as conclusões deste estudo, sintetizando as críticas centrais a respeito da disciplina trazida pela Lei nº 13.467/2017 no tocante aos danos extrapatrimoniais.

 

2 – Os danos extrapatrimoniais e Direito do Trabalho

A identificação de danos não patrimoniais não é recente no Direito (do Trabalho). Há muito já se preocupa com a reparação de danos que não são monetariamente mensuráveis, tanto na doutrina civilista, quanto na seara trabalhista. Há, inclusive, variedade de nomenclaturas em relação a esses danos e certa divergência a respeito do significado de cada uma delas, a exemplo da existência das expressões: dano extrapatrimonial, dano moral, dano à pessoa, dano estético, dano existencial.

No entanto, todas elas parecem ter um denominador comum: são fundadas no “princípio da centralidade da pessoa humana na ordem social, econômica e jurídica, com os seus diversos princípios correlatos, capitaneados pelo princípio da dignidade da pessoa humana”(1), expressamente consignado no artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

Dentre as variadas opções conceituais, a Reforma Trabalhista optou por utilizar a expressão “dano extrapatrimonial”, o qual, segundo Costa (2), Santos (3), Silva (4), serve para designar um amplo gênero, do qual dano moral (5), dano à pessoa (6), dano estético (7) e dano existencial (8) são espécies.

Para outros, a Lei nº 13.467/2017, a tratar de danos extrapatrimoniais, não ficou claro em que categoria se encaixarão os danos estéticos, os quais, para além dos danos materiais e morais, configuram um “terceiro gênero indenizável segundo sólida jurisprudência do TST e STJ […], o mais provável é que os danos estéticos estejam fora da tarifação e sejam passíveis de indenização em separado”9.

Essa discussão a respeito do âmbito de abrangência do dano extrapatrimonial será especialmente importante para o Direito do Trabalho, já que tão frequente quanto o dano moral stricto sensu, tal como aquele decorrente da prática do assédio moral ou assédio sexual, é o dano estético decorrente de acidentes ou doenças decorrentes do exercício da atividade laboral. Vale mencionar que tocante ao dano existencial, embora seja passível de mesma discussão acerca da abrangência dos danos extrapatrimoniais, o artigo 223-B da Lei nº 13.467/2017 parece ter se antecipado ao dispor expressamente que “causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica […]”.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (10), todos os dias pessoas morrem em consequência de acidentes de trabalho ou doenças relacionadas ao trabalho, correspondendo a mais de 2,78 milhões de mortes por ano. Além disso, cerca de 374 milhões de ferimentos e doenças não fatais relacionados ao trabalho são registradas a cada ano, muitos deles resultando em ausências prolongadas do trabalho, mutilação de milhares de trabalhadores, incapacitação para o trabalho, etc.

E, no Brasil, a tendência se repete: quarto lugar no ranking mundial de acidentes do trabalho, “o Brasil é hoje o país onde a cada 48 segundos acontece um acidente de trabalho e a cada 3h38 um trabalhador perde a vida pela falta de uma cultura de prevenção à saúde e à segurança do trabalho”11, sem contar os acidentes e doenças subnotificados.

Nesse mesmo sentido, com números alarmantes, estão os casos de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Datafolha, em que foram entrevistadas 1.427 brasileiras a partir dos 16 anos, cerca de 42% das mulheres já sofreram assédio sexual no trabalho. Tais dados corroboram com os altos índices de judicialização da questão: segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, apenas nos meses de janeiro e fevereiro de 2017, as Varas do Trabalho de todo o território nacional receberam 22.574 novos casos que tratam do assédio moral, e 763 de assédio sexual.

Todos esses acontecimentos, seja por falta de cuidados com a saúde, segurança e o equilíbrios labor-ambiental, seja pela ação do assediador, são potencialmente causadores de danos patrimoniais e extrapatrimoniais, sendo este último aquele que mais interessa para este estudo. Assim, a atividade laboral que deve(ria) servir para seu sustento e de sua família, sua realização pessoal, seu desenvolvimento intelectual, aprimoramento técnico acaba, por (muitas) vezes, e adoecendo física e mentalmente o trabalhador.

 

3 – A reparação dos danos extrapatrimoniais no Direito do Trabalho e o arbitramento da reparação pecuniária

Reparar um dano sofrido por outrem não é tarefa simples. Quando se tratada de danos extrapatrimoniais, que não são mensuráveis e nem quantificáveis, a tarefa se torna ainda mais árdua, especialmente porque, as características do caso concreto, bem como a dimensão de determinado dano sentido por um indivíduo é peculiar e pode variar de pessoa para pessoa, de acordo com sua repercussão (pública), dentre outras variáveis.

Fato é que os danos extrapatrimoniais existem, são frequentemente objetos de pedidos de indenização e sua quantificação – e consequentemente o arbitramento de uma reparação pecuniária – acaba tendo de ser feita pelo Poder Judiciário. Em função dessa complexidade, bem como da multiplicidade de variáveis consideradas em cada arbitramento de reparação pecuniária geram indenizações com valores variados.

Fixando-se nisso e desprezando o princípio do livre convencimento do juiz e do princípio contido no inciso XXVIII do art. 7º da CF, que garante uma indenização ampla do dano extrapatrimonial, a Reforma Trabalhista adotou a estratégia da tarifação do dano extrapatrimonial, ou seja, estabeleceu faixas de valores que servirão de reparação do dano, impondo um limite pecuniário máximo para as reparações dos danos extrapatrimoniais.

O mecanismo da tarifação dos danos extrapatrimoniais não é recente: “o intento de fixar parâmetros menos abstratos para a quantificação da indenização decorrente de danos extrapatrimoniais jamais adentrou o universo do esquecimento, encontrando motivações, sobretudo, na segurança jurídica do instituto”.

Nessas idas e vindas a respeito da possibilidade de tarifação do dano extrapatrimonial, vale mencionar a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967), que impunha uma limitação ao Poder Judiciário, por meio de uma tarifação, para a fixação das indenizações por dano moral, decorrente de ofensa à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Tendo apreciado a constitucionalidade de tal dispositivo, o Supremo Tribunal Federal considerou que a Constituição Federal de 1988 garantiu à reparação do dano moral tratamento especial pelos incisos V e X do artigo 5º, indicando que a indenização decorrente desse tipo de dano fosse a mais ampla possível. Seguiu nesse sentido, a Súmula nº 281 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

Ainda assim, em 2017, a Reforma Trabalhista revolveu o mecanismo da tarifação dos danos extrapatrimoniais (para pessoa física e pessoa jurídica) em seu artigo 223-G, §1º e 2º, estabelecendo que, caso o Pedido de indenização seja julgado procedente, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

  • 2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no §1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.

Nesse sentido, a Reforma não só apostou na tarifação dos danos extrapatrimoniais como o fez com base no salário contratual do trabalhador, acarretando que aquele que aquele que ganha menos, se sofrer um mesmo dano que outro trabalhador que ganha mais, receberá menos por esse dano somente porque sua renda é menor. Nessa linha, será possível pensar que o sofrimento daquele trabalhador de baixa renda tem menos valor do que o sofrimento daquele que tem renda maior: discriminação evidente com base no salário e, ainda por cima, protegida pela lei.

Tal base de cálculo da indenização (salário contratual) estabelecida pela Lei nº 13.467/2017 sofreu modificações pela Medida Provisória (MP) nº 808/2017, que mudou o parâmetro para o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Se tal mudança, por um lado, melhorou a situação do trabalhador de baixa renda e, de certa forma, resolveu o aspecto discriminatório, por outro manteve o tabelamento da reparação, sem considerar a diversidade de danos extrapatrimoniais e sua extensão existentes.

Contudo, a MP seguiu firmemente sua característica de provisoriedade, não foi convertida em lei e tampouco seus efeitos pósteros foram regulados por decreto legislativo, deixando ainda incongruências e perguntas sem respostas, inclusive em relação aos danos extrapatrimoniais, como será melhor abordado no item seguinte.

 

4 – O dano extrapatrimonial na Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017)

A Reforma Trabalhista inaugurou título específico para disciplinar os danos extrapatrimoniais (isto é, as indenizações por danos patrimoniais não seguem esta nova regra, estando fora da tarifação proposta pela Reforma), com início no artigo 223-A e final no artigo 223-G. Cumpre, neste ponto, analisar artigo a artigo.

O artigo 223-A inicia a regulamentação dos danos extrapatrimoniais com a disposição segundo a qual “aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”, buscando afastar qualquer outra norma referente ao tema. Contudo, como adverte Silva (12), “a promessa é dificílima […] haja vista a imprevisibilidade das condutas sociais, a vastidão da criatividade humana, para não dizer da perversão humana”. Fica evidente a tentativa de

isolar a nova regência normativa inserida no Título II-A da CLT do conjunto jurídico geral que a envolve. Esse conjunto geral envolvente é formado, conforme se sabe, pela Constituição da República, pelos diplomas internacionais de direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, inclusive trabalhistas, vigorantes no Brasil (cujas normas ostentam status supra legal, relembre-se), além dos diplomas normativos externos à Consolidação das Leis do Trabalho, tal como, ilustrativamente, o Código Civil Brasileiro(13).

Corroborando com os entendimentos apresentados acima, entende-se que a CLT não pode suprimir normas hierarquicamente superiores (algumas das quais potencialmente mais benéficas ao trabalhador, reforçando o princípio da proteção e o subprincípio da norma mais favorável). Este entendimento, inclusive, foi consubstanciado em enunciado (enunciado nº18) aprovado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, conforme segue:

DANO EXTRAPATRIMONIAL: EXCLUSIVIDADE DE CRITÉRIOS

APLICAÇÃO EXCLUSIVA DOS NOVOS DISPOSITIVOS DO TÍTULO II-A DA CLT À REPARAÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS DECORRENTES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: INCONSTITUCIONALIDADE. A ESFERA MORAL DAS PESSOAS HUMANAS É CONTEÚDO DO VALOR DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CF) E, COMO TAL, NÃO PODE SOFRER RESTRIÇÃO À REPARAÇÃO AMPLA E INTEGRAL QUANDO VIOLADA, SENDO DEVER DO ESTADO A RESPECTIVA TUTELA NA OCORRÊNCIA DE ILICITUDES CAUSADORAS DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS NAS RELAÇÕES LABORAIS. DEVEM SER APLICADAS TODAS AS NORMAS EXISTENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO QUE POSSAM IMPRIMIR, NO CASO CONCRETO, A MÁXIMA EFETIVIDADE CONSTITUCIONAL AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 5º, V E X, DA CF). A INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 223-A DA CLT RESULTARIA EM TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO INJUSTO ÀS PESSOAS INSERIDAS NA RELAÇÃO LABORAL, COM INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA AOS ARTS. 1º, III; 3º, IV; 5º, CAPUT E INCISOS V E X E 7º, CAPUT, TODAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O artigo 223-B dispõe que “causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”. Tal dispositivo (re)afirma a possibilidade do dano extrapatrimonial regulamentado pela Reforma poder referir-se tanto à pessoa física, quanto jurídica; reconhece expressamente o dano existencial – criação da doutrina e jurisprudência, que, até então, não tinha guarida legal –; e dispõe que a titularidade do direito à reparação do dano extrapatrimonial é da pessoa ofendida, desconsiderando os casos de morte do trabalhador, em que, a família exercerá tal titularidade; e de danos transgeracionais, que poderão ser evidenciados no futuro.

No tocante aos casos de morte, há sugestão interpretativa aprovada na supracitada Jornada, sob a égide do enunciado nº20, segundo o qual

DANO EXTRAPATRIMONIAL: LIMITES E OUTROS ASPECTOS

DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. O ARTIGO 223-B DA CLT, INSERIDO PELA LEI 13.467, NÃO EXCLUI A REPARAÇÃO DE DANOS SOFRIDOS POR TERCEIROS (DANOS EM RICOCHETE), BEM COMO A DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS OU MORAIS COLETIVOS, APLICANDO-SE, QUANTO A ESTES, AS DISPOSIÇÕES PREVISTAS NA LEI 7.437/1985 E NO TÍTULO III DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

O artigo 223-C dispõe que “a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física”, tentando estabelecer um rol de bens tutelados e, consequentemente, as hipóteses que ensejarão o dano extrapatrimonial. No entanto, basta voltar os olhos à Constituição Federal para lembrar que o diploma constitucional veda “quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV, CF), e não apenas aquelas indicadas pela Reforma Trabalhista. Ademais, como já foi dito anteriormente, a criatividade humana e as inovações sociais não têm limites, sendo arriscado – e falho – quere estabelecer um rol taxativo para tal questão. Assim, entende-se que o rol indicado neste artigo se trata de rol meramente exemplificativo. No mesmo sentido segue enunciado nº19 aprovado na Jornada referida acima, segundo o qual:

DANOS EXTRAPATRIMONIAIS: LIMITES

É DE NATUREZA EXEMPLIFICATIVA A ENUMERAÇÃO DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS DOS TRABALHADORES CONSTANTE DO NOVO ARTIGO 223-C DA CLT, CONSIDERANDO A PLENITUDE DA TUTELA JURÍDICA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, COMO ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGOS 1º, III; 3º, IV, 5º, CAPUT, E §2º).

Vale mencionar que a MP 808 reconfigurou este dispositivo, promovendo certa ampliação, ao incluir os bens juridicamente tutelados seguintes: etnia, idade, nacionalidade, gênero e orientação sexual. De fato, a MP inseriu questões importantes, mas ainda assim subsiste a crítica no sentido de que não é possível ser taxativo sobre o tema. Ademais, lembre-se que a MP caducou e, portanto, válida é a redação original (mais restritiva) trazida pela Lei nº 13.467/2017.

No mesmo equívoco incorrer o artigo 223-D, ao limitar quais são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica, já que (novamente) não se pode prever todas as violações que ensejam o dano extrapatrimonial.

O artigo 223-E disciplina que “são responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão”, o que poderia ser extraído do parágrafo único, do artigo 942 do Código Civil, segundo o qual “são solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932”.

O artigo 223-F dispõe que

a reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.

  • 1º Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.

Neste tocante, ao entender que a nova lei não deixa claro se o dano estético se enquadra (ou não) na abrangência do dano extrapatrimonial, Silva (14) sugere a evocação da Súmula nº387 do STJ, segundo a qual “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”, o que permitira a esse tipo de dano estar fora das garras da tarifação.

Por fim, apresenta-se o último artigo que trata dos danos extrapatrimoniais e, também, o mais controvertido e criticado: o artigo 223-G, segundo o qual

Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;

II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III – a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;

VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII – o grau de dolo ou culpa;

VIII – a ocorrência de retratação espontânea;

IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X – o perdão, tácito ou expresso;

XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII – o grau de publicidade da ofensa.

  • 1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

  • 2º Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no §1º deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
  • 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.

Inicialmente, o dispositivo comento traz uma série de pontos que devem ser considerados pelo magistrado para apreciar o pedido, a fim de julga-lo procedente ou improcedente. Caso julgue o pedido procedente, o magistrado passará, então, ao arbitramento do dano extrapatrimonial de acordo com os parâmetros estabelecidos na lei. Tais parâmetros classificam os danos em ofensas de natureza leve, média, grave ou gravíssima e, considerando tal classificação, fixa limites para a sua reparação.

A pura fixação de limites já seria preocupante, visto que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, V, trata expressamente do princípio da proporcionalidade. Contudo, a Lei 13.467/2017 consegue ir além e estabelece como base para cálculo da indenização o salário contratual do trabalhador (seja ele o ofendido ou o ofensor). Tal parâmetro cria(rá) situações de tratamento desigual e discriminatório em relação àquele trabalhador de renda menor, pondo alcançar situações absurdas, como aquela em que dois trabalhadores perdem um braço, mas, aquele que tem um salário menor, receberá menos pelo seu braço perdido, enquanto que aquele que tem salário maior, receberá mais.

Dada às inúmeras críticas suscitadas, a MP 808 tentou avançar neste tocante, alterando a base de cálculo (de salário contratual) para o valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Contudo, a crítica a respeito do mecanismo da tarifação persiste mesmo diante da MP. Ademais, tem-se que a MP perdeu sua validade, o que retorna à tarifação com base no salário do trabalhador.

O §3º do artigo 223-G trata da reincidência, contudo limita tal possibilidade à identidade das partes, caso em que o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização. Pode até não ser impossível, mas é muito difícil que as mesmas partes recaiam na mesma prática pela segunda vez, até porque, provavelmente, quando o dano acontecer e for indenizado, a relação de emprego tenderá a terminar.

Tentando reparar algumas lacunas, a MP 808 editou a redação §3º e inseriu mais dois parágrafos:

  • 3º Na reincidência de quaisquer das partes, o juízo poderá́ elevar ao dobro o valor da indenização.
  • 4º Para fins do disposto no § 3º, a reincidência ocorrerá se ofensa idêntica ocorrer no prazo de até dois anos, contado do trânsito em julgado da decisão condenatória.
  • 5º Os parâmetros estabelecidos no § 1º não se aplicam aos danos extrapatrimoniais decorrentes de morte.”

A MP tentou esclarecer alguns pontos sobre a reincidência e, finalmente, tocou na hipótese de morte. Contudo, dada a caducidade de tal Medida provisória, o artigo 223-G volta para a sua redação original, carregada de incongruências jurídicas e discriminação.

 

5 – Conclusão

A Lei nº 13.467/2017, embora tenha se preocupado em criar espaço próprio no âmbito da CLT para tratar dos danos extrapatrimoniais, parece não ter tido a mesma preocupação em estabelecer critérios justos, razoáveis, proporcionais e minimamente suficientes para a efetiva reparação do dano (extrapatrimonial).

Pelo contrário, trouxe parâmetros questionáveis, inconstitucionais – os quais já foram alvo, inclusive, de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados-ANAMATRA (em face dos incisos I, II, III e IV do § 1º do art. 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943), com a redação que lhe foi dada pelo art. 1º da Lei nº 13.467, de 13/7/2017, e modificada pelo art. 1º da Medida Provisória nº 808, de 14/11/2017), que mais discriminam do que reparam, indo na contramão dos valores e princípios constitucionais e de toda a normativa internacional a respeito dos direitos humanos e direitos laborais, especialmente no tocante à não discriminação e promoção da igualdade. Ademais, revolveu de tempos antigos, noções semelhantes àquelas encontradas no longínquo Código de Hamurabi e nas suas indenizações por siclos, em que se diferenciava a pena para determinado delito em função de sua posição hierárquica na sociedade.

Nesse sentido, não há como entender avançada ou modernizante, uma legislação que tarifa e limita danos não mensuráveis, que despreza os princípios da igualdade e da proporcionalidade e que faz a legislação trabalhista retroceder por séculos.

 

6 – Referências bibliográficas

  1. V. C. Silva. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado, em Rev. D. Civ. Contemp., 2015.
  2. R. Santos. O dano extrapatrimonial na Lei n. 13.467/2007 da reforma trabalhista, em Rev. Elet. TRT 9ª Reg., 2017.
  3. B. M. Silva. Comentários à reforma trabalhista. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017.

J.M. Costa. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da reparação, em Rev. Fac. Dir. UFRGS, 2001.

  1. G. Delgado. G.N. Delgado. A reforma trabalhista no Brasil com os comentários à Lei n. 13.467/2017. LTr, São Paulo.

MPT. Brasil é quarto lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho, em MPT Notícias < http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/7441f527-ad53-4a0a-901f-66e40f1a1cae >. Acesso em 14 set. 2018.

OIT. Safety and health at work, em < https://www.ilo.org/global/topics/safety-and-health-at-work/lang–en/index.htm >. Acesso em 14 set. 2018.

————————————————–

1([1]) M. G. Delgado. G.N. Delgado. A reforma trabalhista no Brasil com os comentários à Lei n. 13.467/2017. LTr, São Paulo, p. 144.

2([1]) J.M. Costa. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza da reparação, em Rev. Fac. Dir. UFRGS, 2001, p. 187.

3([1]) E. R. Santos. O dano extrapatrimonial na Lei n. 13.467/2007 da reforma trabalhista, em Rev. Elet. TRT 9ª Reg., 2017, p. 62.

4([1]) C. V. C. Silva. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado, em Rev. D. Civ. Contemp., 2015, II, p. 333.

5([1]) Trata-se de lesão a direitos de personalidade (lato sensu) e lesão impingida que causa dor ou sofrimento (pretium doloris), a exemplo das revistas vexatórias, assédio moral, assédio sexual, etc.

6([1]) Trata-se de “danos incidentes em qualquer aspecto do ser humano considerado em sua integridade psicossomática e existencial, abrangendo aquilo que, em outros ordenamentos, como o italiano e o francês, têm sido caracterizado como “dano biológico”, “dano à saúde”, “dano ao projeto de vida” e o “dano moral”, considerado em seu aspecto estrito”, conforme J.M. Costa, op. cit., p. 188.

7([1]) Trata-se de alteração morfológica permanente sofrida pela vítima, a exemplo de deformações, queimaduras, etc.

8([1]) Trata-se de dano à existência da pessoa, que acaba por não permitir ou não contribuir para que esta seja feliz, impossibilitando a execução de seu projeto de vida.

9([1]) H. B. M. Silva. Comentários à reforma trabalhista. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017, p.59.

10() OIT. Safety and health at work, em < https://www.ilo.org/global/topics/safety-and-health-at-work/lang–en/index.htm >. Acesso em 14 set. 2018.

11() MPT. Brasil é quarto lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho, em MPT Notícias < http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/7441f527-ad53-4a0a-901f-66e40f1a1cae >. Acesso em 14 set. 2018..

12([1]) H. B. M. Silva., op cit., p. 60.

13([1]) M. G. Delgado. G.N. Delgado, op cit., p. 145.

14([1]) H. B. M. Silva., op cit., p. 61.

(*) Guilherme Guimarães Feliciano é Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Livre-Docente em Direito do Trabalho e Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), gestão 2017-2019. Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto é Doutoranda e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Advogada e professora universitária.

(Fonte: JOTA)

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