Ainda que importantes transações de M&A (Mergers & Acquisitions, ou, em português, fusões e aquisições) tenham sido colocadas no modo de espera devido à instabilidade no mercado, apostar em soluções como parcerias e fusões pode, inclusive, contribuir para salvar os negócios. Para Andreas Stampe, sócio da Bateleur, empresa gaúcha especializada no assunto, este pode ser o momento ideal para concretizar planos nessa área. Empresas das áreas de tecnologia, valorizadas há algum tempo, de soluções para trabalho remoto, educação on-line e saúde, por exemplo, devem se tornar mais interessantes. “O M&A vinha crescendo desde o início de 2019 no Brasil, e a projeção era de que 2020 seria um ano melhor ainda. Em meados de março, a pandemia da Covid-19 se agravou no País, e muitos projetos foram colocados em espera”, comenta Stampe.
Jornal do Comércio – Como o mercado começou 2020?
Andreas Stampe – Acompanhamos a TTR (Transactional Track Record, uma plataforma que reúne dados transacionais e de inteligência de mercado) e, quando comparamos o primeiro trimestre de 2020 com o mesmo período de 2019, verificamos que houve menos transações neste ano. Foram 239 negócios em 2020 – 25% a menos do que no ano passado. Entretanto, o valor total transacionado acabou sendo superior ao mesmo período de 2019. O valor transacionado de operações no Brasil totalizou, no primeiro trimestre, R$ 44 bilhões – 17% acima do ano anterior. O setor vinha crescendo, e, a partir de março, os empresários, em geral, colocaram o pé no freio.
JC – A partir de março já se conseguiu sentir os efeitos da pandemia?
Stampe – Naquele mês, tivemos uma grande ruptura e vimos muitas operações que já estavam se encaminhando para serem fechadas entrando em standby. Apenas negócios que já estavam muito bem encaminhados, no final da transação, foram concluídos. Dentro da Bateleur, temos negócios que já estavam na fase final e seguem tramitando. Por outro lado, há outros planos de grupos que já estavam conversando e que passaram por um congelamento.
JC – Isso preocupa o mercado de M&A, que estava começando a se desenvolver com mais intensidade no Brasil?
Stampe – Temos um time bem experiente em M&A e já passamos por algumas crises – nenhuma igual a esta. Sabemos que colocar o pé no freio agora não significa que esses negócios não vão acontecer. Muitos deles têm perspectiva de serem retomados assim que passar a fase aguda da crise e as atividades retornarem. Nossa expectativa para o futuro é que boa parte desses negócios sejam retomados. Tudo depende de como as companhias irão se portar neste período e de como o governo vai sair dessa crise e retomar a pauta de reformas, concessões e privatizações.
JC – Mesmo com operações em suspenso, o mercado não parou. Você vê que existem ativos se valorizando nesta crise?
Stampe – As empresas de insumos e equipamentos da saúde estão sendo muito demandadas agora e estão se valorizando. O próprio setor de alimentos, os supermercados estão mais aquecidos, já que as pessoas estão focando no consumo básico. As empresas de tecnologia, principalmente de streaming e de soluções para comunicação, como a Zoom, que é uma ferramenta de vídeo, por exemplo, estão mais valorizadas no mercado. Mas elas são uma minoria. A grande parte dos ativos está sofrendo uma perda de valor ou, melhor dizendo, uma percepção de perda de valor, pois, às vezes, o negócio em si pode não ter sido afetado, mas, como os fluxos do mercado estão caindo de maneira geral, é normal que qualquer decisor esteja disposto a pagar menos por aquele ativo.
JC – Essas empresas que estão vendo seu valor cair devem já começar a pensar em uma operação de venda?
Stampe – Essas empresas têm que forçar um pouco em ajustar a sua operação, olhar para dentro de casa, mostrar como reagem a uma crise, porque isso pode definir o futuro. Em 2018, fizemos uma transação na área de tecnologia com um grupo internacional e algo que foi citado por esses investidores como decisivo para a compra foi que eles observaram como o grupo havia se portado bem na crise anterior. Ficou claro que eles haviam perdido menos receita e tido melhores resultados durante a crise do que outros, e isso foi decisivo. Por contrato, não podemos citar os nomes envolvidos, mas foi uma tratativa de uma empresa de tecnologia da Região Sul do Estado com um grupo canadense. Os ciclos de M&A são longos, e, geralmente, uma transação demora em torno de dois anos. O evento de venda de uma empresa costuma ser o momento mais importante da vida de um empresário.
JC – Existem outras saídas como, por exemplo, as fusões…
Stampe – Sim, outro movimento positivo que vemos quando fala de M&A são as fusões e associações. E este é um momento importante também para isso, já que, através dessas ferramentas, as empresas envolvidas podem compartilhar custos e estrutura, e, assim, ter um resultado melhor. No setor industrial, por exemplo, bastante combalido com a pandemia, as empresas já estão mais propensas a unir forças neste momento. Estamos com um processo em andamento de uma fusão no Rio Grande do Sul nesse segmento. Também é importante destacar que não necessariamente tem que ser feita uma fusão. Pode ser feito também algum tipo de parceria estratégica nos moldes do que a Magazine Luiza está fazendo ao juntar pequenos negócios na plataforma de e-commerce da loja.
JC – Você consegue vislumbrar um cenário de oportunidades para a consolidação de M&A no Brasil após a pandemia?
Stampe – Vão ter menos players no mercado ou mais enfraquecidos. As empresas que puderem jogar esse jogo, que tiverem preservado sua posição à medida em que o mercado retomar e forem ágeis podem ocupar um bom espaço. No caso do M&A, prevemos um mercado muito mais seletivo, priorizando empresas com margem e boa posição de liquidez, fatores que nem sempre são os priorizados.
JC – Uma retomada pode ocorrer a partir do segundo semestre?
Stampe – Temos de esperar ainda o primeiro efeito, que é o econômico, e que deverá ser mais bem percebido com a divulgação dos resultados das empresas no segundo trimestre. As fusões e as aquisições são consequências do efeito econômico. Espero que haja uma retomada no segundo trimestre, porém o volume transacionado neste ano deve ficar bastante comprometido. As transações tendem a ser menores, pois os ativos estão implicitamente com valores menores, já que o risco é maior.
JC – Você comentou a agenda de reformas, concessões e privatizações. O que o mercado espera?
Stampe – As concessões e privatizações são uma parte importante da agenda do ministro Paulo Guedes, mas o processo de aprovação tem sido moroso. Em parte, pelos trâmites envolvidos e, por outro lado, por causa do ambiente político conturbado. As áreas envolvidas seriam ferrovias, rodovias, aeroportos, portos, hospitais, energia elétrica e óleo e gás.
Fonte: Jornal do Comercio